Crianças não são de vidro

Publicado: 10 de outubro de 2012 por Kzuza em Cotidiano
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Hoje minha digníssima esposa me enviou esse excelente artigo para leitura: O bebê não é de vidro.

Isso porque conversávamos no último final de semana sobre ter um bebê. Ela morre de medo, mas está começando a abrir a discussão. Eu quero muito, mas também morro de medo. Não medo da criança, propriamente dita. Tenho medo de me tornar um pai babaca. Pai bobo, todos são, mas pai babaca, só alguns. Trocando em miúdos, pais babacas são aqueles que obedecem aos seus filhos, para resumir a história.

Eu tenho medo de que a criança mande na casa. Medo de que a criança determine o que eu irei e minha esposa iremos fazer. Que a criança dite as regras. Que ela diga como eu devo agir.

Sabe por que eu tenho medo? Porque simplesmente eu acho isso ridículo.

Eu e minha esposa tivemos histórias de vida meio parecidas, principalmente no que diz respeito à criação e à educação que recebemos de nossos pais. Conversamos sobre isso também. Eu não quero cuspir para o alto porque ainda não tenho filhos, mas eu tenho quase certeza de que a forma como os pais foram criados mostra exatamente como os seus filhos também serão.

Não sei, eu devo ser um um extraterrestre mesmo, como já definiu meu amigo Kbça. Mas eu fico abismado, de queixo caído, embasbacado, com pais que fazem concessões aos seus filhos. Pais que se sacrificam (financeiramente e emocionalmente, principalmente) para dar o que os seus filhos querem. Não consigo entender esse medo de frustrar. Medo de fazer com o que o filho se sinta inferior aos seus amiguinhos que têm brinquedos mais caros, que viajam à Disney, que têm uma mesada gorda, ou coisas assim. Isso é medo de traumatizar o filho? Ou é fraqueza? Tipo: ah, não quero ter que ouvir o moleque reclamando, então vou dar o que ele quer; afinal, isso é mais fácil do que eu tentar explicar para ele porque não estou dando o que ele quer. Qual é o motivo de fazer tais concessões, heim, pai babaca? Explica pra mim, porque eu não faço idéia, eu não tenho filhos, eu sou um ET.

Vou te contar um segredo sobre eu e o melhor cara que já conheci até hoje.

Meu pai sempre foi o “fodido” da história. Sempre foi o cara que não tinha curso superior. O cara que tinha carro velho. Não que ele fosse miserável, muito pelo contrário, mas nunca teve luxo. Nenhum. Mas ele sempre me ensinou a coisa mais valiosa que eu já aprendi: lá em casa, quem mandava era ele. E o que ele fazia era o certo. Sem rigidez. Sem um esquema de quartel (sempre tive liberdade pra cacete). Tudo em um esquema de confiança e respeito. Independente do que acontece da porta da minha casa para fora, eu sempre soube que lá dentro era o lugar onde as coisas certas eram feitas. Onde a família era a única coisa que importava. Onde ele e minha mãe eram o porto seguro para atracarmos nossos barcos. Tomei vários “não” durante minha infância. Vários.

Eu nunca tive roupa de marca. Nunca tive mais de um par de tênis. Meu único videogame foi um CCE. Nunca tive um carrinho de controle-remoto. Lembro até hoje da “semana do dia das crianças” quando eu ainda estudava em uma escola particular (nessa época, o Collor ainda não tinha fodido com a vida da então “classe média”). Eu nunca tive um brinquedo que competisse com os Maximus, Pegasus e Colossus dos meus amiguinhos. Eu esperava pacientemente um ano inteiro para ganhar algo legal que fosse no meu aniversário. Adorava lojas de brinquedos, como toda criança, mas sempre me conformei com o pouco que eu tinha.

Eu ajudava meu pai nas filmagens dele em troca de 5 dólares. Sim, ele tinha um controle de quanto eu tinha de dinheiro, mas em dólares, por conta da inflação descontrolada da época. Nunca tive mesada, como meus amigos tinham. Se eu quisesse algo, precisava usar daquela minha poupança. Sempre foi assim, desde cedo.

Fui criado em Carapicuíba, uma cidade miserável da Grande SP. Estudei em escola estadual, caindo aos pedaços. Tinha colegas de classe que faltavam à aula por falta de dinheiro para condução. Também estudei com alunos que iam armados pra escola. Alunos que pegavam os desafetos na saída, na porrada, em grupo, com soco inglês. Moleque que cheirava cocaína, e que bebia.

Lembro da viagem que fizemos quando concluí a 8ª série. Fomos à um parque aquático, onde havia também um parque de diversões. À noitezinha, teríamos um bailinho. E eu precisava estar preparado, bem vestido, e na moda, para não fazer feio frente aos meus colegas. Você acha que meu pai se importou com isso? Não. Mas eu sabia que tinha minha “poupança”, aí fui lá e comprei uma camiseta legal, “de marca”, só para não fazer feio. Aprendi a dar valor ao meu trabalho.

Sempre fui alvo de gozações no colégio, principalmente na Fundação Bradesco. Sempre fui o nerd, o bom aluno. Sempre fui o “fodido” cujo pai não era funcionário do banco. O fodido cujo pai tinha a merda de um Voyage 1982. O cara que não desafiava a diretora da escola com roupas proibidas. Eu usava uniforme, enquanto os outros usavam blusas de marca e se gabavam por isso. E usava o mesmo par de tênis sempre.

Sabe porque estou escrevendo tudo isso? Porque eu nunca tive vergonha de nada disso, assim como não tenho de escrever isso aqui. Sabe o que isso mudou na minha vida? Absolutamente nada.

Aí eu olho para mim hoje. Sou um bosta, é fato. Mas as coisas que eu dou valor hoje são exatamente aquelas que meu velho me ensinou a valorizar lá atrás. E o melhor: EU SOBREVIVI! Caralho, eu tô vivo e não sou um frustrado! Tenho um emprego bacana que me paga uma grana legal! Tenho minha casa, meu carro, e sou casado com uma pessoa sensacional! Continuo me dando muito bem com os únicos caras que realmente importam para mim, que são a minha família! Tenho uma porrada de amigos, dá pra acreditar? Não tenho depressão!

Então eu penso: PORRA, É DESSE JEITO QUE EU QUERO CRIAR MEU FILHO, CARALHO! Quero que ele seja meu amigo por toda a vida, mas que ele entenda, de uma vez por todas, que sou eu quem mando! Que ele pode contar comigo para o que for, pro resto da vida, porque eu vou lutar para que ele consiga tudo por conta própria. Vou querer que ele se foda, no bom sentido. Que ele dê cabeçada, que caia da escada, que quebre o dente caindo de bicicleta, ou que quebre o dedo escorregando no gramado. Não quero ligar se ele espernear porque os amigos vão pra Disney, ou porque têm um iPhone 5, e ele não. Isso não vai fazer dele um ser pior do que os outros. Isso vai simplesmente fortalecê-lo!

comentários
  1. Eliana disse:

    Tenho mais uma razão para me orgulhar de tê-lo escolhido para compadre!
    Li seu texto e confirmo tudo o que está lá.
    Sabe qual é o segredo de nossa educação extraterrestre? Somos educados para SER e não para TER. Isso faz uma grande diferença, tenha certeza.
    Aqui em casa também nos esforçamos para mostrar aos fllhos as vantagens de um bom caráter perante uma boa marca de roupa ou calçado. Temos nossas prioridades materiais -TER- (casa, escola, plano de saúde, alimentação, etc.) e o que vem depois administramos conforme as possibilidades. Agora, SER está em primeiro lugar, sempre!
    Eu repito constatemente a eles: beleza exterior o tempo, a idade, a doença levam, mas a beleza interior é adimirada sempre, mesmo quando nos acham meio ETs.
    Estou beirando a aposentadoria, você sabe, e sempre digo que prefiro sair como funcionária pública, CP anônima de uma escola anônima, no arredore da divisa da cidade, a ter que me rebaixar e ter certas atitudes para obter status ou cargos por aí. Já me disse um colega muito respeitável outro dia: seu nome estará sempre associado a acertos e aos erros por tentar fazer certo, fique em paz.
    Conhcecendo você e a Ju, tenho certeza de que o futuro bebê será cercado de muito carinho, muita atenção e muito zelo. Será amado por todos nós. A receita para uma boa educação nós já conhecemos e nossas famílias são o maior exemplo de que dá certo. Veja os grandes caras, gente boa mesmo, que temos ao nosso redor!
    Sigam agindo e pensando desta forma e, com certeza, não terão decepções. Conselhos e exemplos encontrarão aos montes entre tios, primos e avós deste bebê, fiquem tranquilos!
    Agora, uma coisa também penso e digo sempre para o Dedeu: podemos orientar e aconselhar, mas não podemos viver a vida por nossos filhos. Podemos indicar os caminhos, mas a decisão sobre qual seguir será deles próprios e isso não poderemos evitar! Ficamos sempre torcendo para que sejam sábios e optem pelo melhor!
    Amo vocês cada vez mais!

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  2. ana disse:

    Caraca, tocou fundo. Sempre te admirei, mais hj vc me surpreendeu mais ainda. Carregue no seu coração e sua mente todo ensinamento que seus pais te deram pro resto de sua vida, com isto tenha absoluta certeza que criara muito bem seu filho.
    Por mais que vivamos em um mundo filho da puta, sempre passaremos o que aprendemos e sem duvidas vc tem uma puta bagagem.
    Sem modéstia, tbem tive e hj passo aos meus filhos, um exemplo: ontem o Matheus me falou que quer entrar na USP a todo custo, ja que quer fazer uma puta faculdade e sabe que não podemos pagar. ” Mãe eu vou conseguir, senão este ano o próximo quem sabe, mais vou”. Isto é o que colho hj e que aprendi com meus pais. Boa sorte.

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  3. Bianca Peixoto disse:

    Muito bom o seu texto! Vi o tema pelo “post” da Jú no face ..rs..
    É engraçado porque neste fds eu tive essa conversa com o meu pai (sobre seus futuros netos rs).
    Meus pais sempre foram muito rígidos na questão “educação” (como todo bom “português”). Não podia brincar enquanto não fizesse o dever de casa, não podia sair da mesa enquanto não acabesse de comer toda a comida, não podia ir para as festas que todos os meus amigos iam porque ia acabar tarde, não podia falar “palavrões” ou “responder” sob pena de algumas palmadas ou castigo, deveria manter as notas sempre altas na escola e mostrar o boletim todo final de semestre, enfim.
    Em algumas situações acho que eles foram muito protetores (eles reconhecem algumas rs), mas, em outras, acho que foram necessárias. Assim como todos nós, eles também tinham muitas dúvidas em como criar um filho e, se cometeram algum excesso nisso, foi tentando acertar.
    Porém, além de serem exigentes, sempre se interessaram em participar de nossas vidas e sempre passaram muito amor para nós. Aqui em casa, é comum falar: “eu te amo pai”, “eu te amo mãe”, “eu te amo irmão”.
    É comum falar “dá licença” ao levantar da mesa..rs.. Sim, aqui todos jantam na mesa de jantar! É comum falar “bom dia/boa noite”.
    Muitos pais não possuem tempo/paciência para ficarem com seus filhos e acham que o brinquedo/roupa de marca irão suprir todas as necessidades afetivas dessas crianças. Ou transferem para a escola a responsabilidade da educação “moral”. Assim, a criança cresce sem saber o significado da palavra “não”, não aprende a dar valor para nada e se apega somente às coisas materiais.
    Antes de tentar ser “amigo” de seu filho, não esqueça de que você é, em primeiro lugar, pai ou mãe.
    Os ensinamentos que recebi de meus pais, com certeza, serão os mesmos que passarei para os meus filhos. Não cresci uma pessoa revoltada por não ter uma roupa de marca ou um carro do ano e nem odeio os meus pais por terem me dado umas palmadas ou por não terem me deixado ir para a balada aos 15 anos..rs.. Aprendi a dar valor àquilo que realmente importa. Porque sem o “não” eu não valorizaria o meu esforço e sem o “eu te amo” eu não teria coragem de lutar pelos meus objetivos!

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  4. LUIZ CLAUDIO disse:

    Caraca, foi fundo, mas te digo uma coisa, eu sempre dei o que sempre tive Amor, carinho, amizade,,,o resto é o resto,, uma coisa te falo ser PAI é foda, é gostoso, emfim é tudo, mas ai é que o amor e os ensinamentos que tivemos nos faz PAI… boa sorte e vai fundo, garanto não vai se arrepender..

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  5. Juliana disse:

    Você é o cara! Por isso me casei com você!!! Te amo!

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